sábado, 31 de março de 2012

Adeus, meu cajueiro!

            Amadurecer é uma arte, saber envelhecer é uma grande virtude. A vida está aí para fazer acontecer os seus sonhos, desde que você conspire de forma favorável. Formar ramificações sadias, abrir seu coração num gesto amoroso a quantos se aproximarem em busca de alívio. 
          "Volto, porém. O meu cajueiro estende, agora, os braços, na ânsia cristã de dar sombra a tudo. A resina corre-lhe do tronco mas ele se embala, contente, à música dos mesmos ventos amigos. Os seus galhos mais baixos formam cadeiras que oferece às crianças. Tem flores para os insetos faiscantes e frutos de ouro pálido para as pipiras morenas. É um cajueiro moço e robusto. Está em toda a força e em toda a glória ingênua da sua existência vegetal.
         Um ano mais, e parto novamente. Outra despedida; outro adeus mais surdo, e mais triste:
         – Adeus, meu cajueiro!
         O mundo toma-me nos seus braços titânicos, arrepiados de espinhos. Diverte-se comigo como a filha do rei de Brobdingnag com a fragilidade do capitão Gulliver. O monstro maltrata-me, fere-me, tortura-me. E eu, quase morto, regresso a Parnaíba, volto a ver minha casa, e a rever o meu amigo.
         – Meu cajueiro, aqui estou!
         Mas ele não me conhece mais. Eu estou homem: ele está velho. A enfermidade cava-me o rosto, altera-me a fisionomia, modifica-me o tom da voz. Ele está imenso e escuro. Os seus galhos ultrapassam a cerca e vão dar sombra, na rua, às cabras cansadas, aos mendigos sem pouso, às gali­nhas sem dono... Quero abraçá-lo, e já não posso. Em torno ao seu tronco fizeram um cercado estreito. No cercado imundo, mergulhado na lama, ressona um porco... Ao perfume suave da flor, ao cheiro agreste do fruto, sucederam, em baixo, a vasa e a podridão!
         – Adeus, meu cajueiro!
         E lá me vou outra vez e para sempre, pelo mundo largo, onde hoje vivo, como ele, com os pés na lama, dando, às vezes, sombra aos porcos mas, também, às vezes, doirado de sol lá em cima, oferecendo frutos aos pássaros e pólen ao vento, e, no milagre divino do meu sonho, sangrando resina cheirosa, com o espírito enfeitado de flores que o vento leva, e o coração, aqui dentro, cheio de mel, e todo ressoante de abelhas"...

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