quinta-feira, 29 de março de 2012

O cajueiro dá frutos...

               A busca do saber para mim foi de muito sofrimento. Se por um lado algo dentro de mim levantava-me o ânimo, fazia-me feliz a cada dia eu aprendia mais e mais sobre a vida, a saudade de casa, numa outra vertente, abria uma fenda sem tamanho no meu coração. Um sentimento de realização, de preenchimento, era o conforto para todas as perdas, naquele momento transformadas  em saudades.
               Lembrava-me da minha mãe, meus irmãos, minhas brincadeiras, meus amigos, o paraíso onde havia nascido e vivido até os dez anos de minha existência. Toda lembrança se transformava em lágrimas que às escondidas deixava rolar sobre a face. 
               Agora, lendo as lembranças de infância de Humberto de Campos através deste belíssimo capítulo de sua vida, algo dentro de mim é revivido com uma sonoridade própria de uma ópera acabada, pronta para ser executada. A orquestra afina os instrumentos. 
                 "Aos treze anos da minha idade, e três da sua, separamo-nos, o meu cajueiro e eu. Embarco para o Maranhão, e ele fica. Na hora, porém, de deixar a casa, vou levar-lhe o meu adeus. Abraçando-me ao seu tronco, aperto-o de encontro ao meu peito. A resina transparente e cheirosa corre-lhe do caule ferido. Na ponta dos ramos mais altos abotoam os primeiros cachos de flores miúdas e arroxeadas como pequeninas unhas de crianças com frio.
         – Adeus, meu cajueiro! Até à volta!
         Ele não diz nada, e eu me vou embora.
         Da esquina da rua, olho ainda, por cima da cerca, a sua folha mais alta, pequenino lenço verde agitado em despedida. E estou em São Luís, homem-menino, lutando pela vida, enrijando o corpo no trabalho bruto e fortalecendo a alma no sofrimento, quando recebo uma comprida lata de folha acompanhando uma carta de minha mãe: “Receberás com esta uma pequena lata de doce de caju, em calda. São os primeiros cajus do teu cajueiro. São deliciosos, e ele te manda lembranças...”
         Há, se bem me lembro, uns versos de Kipling, em que o Oceano, o Vento e a Floresta palestram e blasfemam. E o mais desgraçado dos três é a Floresta, porque, enquanto as ondas e as rajadas percorrem terras e costas, ela, agrilhoada ao solo com as raízes das árvores, braceja, grita, esgrime com os galhos furiosos, e não pode fugir nem viajar... Recebendo a carta de minha mãe, choro, sozinho. Choro, pela delicadeza da sua ideia.
         E choro, sobretudo, com inveja do meu cajueiro. Por que não tivera eu, também, raízes como ele, para me não afastar nunca, jamais, do quintal em que havíamos crescido juntos, da terra em que eu, ignorando que o era, havia sido feliz?

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