sexta-feira, 20 de maio de 2011

REMINISCÊNCIAS

         Há cinquenta anos, um pouco mais talvez, lá pela década de cinquenta, a meninada se preparava para as festas de fim de ano. Tínhamos apenas duas festas por ano em nossa cidade serrana, naquela pequenina Caririaçu: a festa do padroeiro em Junho e as festas de fim de ano. E era tudo para nós, uma espera sem fim.
         Ainda me lembro do Padre Linhares. Quando era criança cheguei a assistir missa celebrada por ele, gostava muito de crianças, e todo fim de ano fazia a festa do Bom Ponto. A meninada que frequentava o catecismo, se preparando para a primeira comunhão, que geralmente era no dia de Nossa Senhora da Conceição, dia 8 de Dezembro, recebia durante o ano todo uns cartõezinhos coloridos chamados Bom Ponto. Era uma espécie de prêmio por ter assistido às aulas do catecismo. Me lembro bem da minha catequista, minha querida Tia Isaura, com quem aprendi as primeiras rezas.
         No final do ano havia a festa do catecismo e aqueles Bom Pontos serviam para comprar brinquedos. Era uma festa animada e ainda me lembro de um presente que cheguei a comprar: um currupiu - era de celulóide, (era assim que chamávamos os objetos de plástico). Este currupiu rodava entre os dedos, enganchado por cordões e chegava a zunir nos ouvidos, produzindo um assobio até agradável para uma criança. O coração não se continha de alegria com aquele brinquedo tão simples e tão festejado.
         Nas festas de fim de ano a gente usava os calçados que haviam sido comprados na festa do padroeiro, eram os calçados de festas, só usados em ocasiões especiais. Os pais compravam os calçados para a festa do padroeiro ou para a festa de fim de ano. Não havia esta história de se ter mais de um par de calçados. Este luxo não acontecia nem mesmo para aqueles meninos filhos de pais mais aquinhoados.
         Para a compra dos calçados, meus pais levavam os filhos mais velhos para Juazeiro e os calçados dos mais novos eram comprados usando uma medida feita de tira de papel ou de pano, na medida do pé da criança. Me lembro como se fosse hoje minha mãe colocando aquela tira dentro do calçado para conferir a medida. A gente andava a rua São Pedro toda, de sapataria em sapataria, experimentado os calçados. Os pés grossos de pisar no chão o ano todo, ou de andar de alpercatas paraibanas, feitas com solado de pneu de caminhão e rosto de coro grosso. Muitas vezes, para ficar mais macias a gente costumava passar óleo cru. Juntava uma terra danada, as alpercatas ficavam vermelhas de tanta poeira.
         A compra dos calçados das festas já era uma festa. Uma viagem a Juazeiro era um grande passeio, com direito a picolé desses compridos. Em Caririaçu só existia picolé feitos em formas de geladeira, e naquele tempo a geladeira era movida a querosene. Não existia energia elétrica dia e noite como hoje. Quando a gente chegava de Juazeiro, contava vantagens para os que ficavam em casa. Cada mentira!!!
         Experimentar os calçados nas sapatarias e escolher o modelo era outro problema. Quando se gostava, até mesmo um sapato mais apertado a gente aceitava na hora da compra mas depois era um Deus nos acuda, um sofrimento por mais de um ano. O remédio era encher os sapatos de milho molhado, o milho inchava e o couro do sapato cedia, melhorando a pisada. Êta como fiz calo nos pés com sapatos novos. Era de não aguentar. Mas com careta e tudo a gente chegava na praça de sapato novo, brilhoso, meias bonitas, pisando com cuidado para não sujar, até o caminhado era diferente. E cada criança ficava mostrando o seu para os outros, se amostrando, como se dizia.
         Tem muita coisa para se falar de uma festa de fim de ano do meu tempo!

Um comentário:

  1. Caro Wagner seu texto reminiscências está simplismente expetacular. Há um tempo atrás fazendo uma retrospectiva no tempo, falei aos meus filhos da tal alpercatas parabanas. E até brinquei fazendo uma gozação para comigo mesmo, e disse que quase todas crianças vividas em Caririaçu num tempo passado tinha os pés anatomicamete desmantelado por conta de uma famosa alpercata paraibana, visto que os pés de quem calçava a dita, tinha que se moldar ao formato da maldita. Que distância para as marcas famosas de hoje. Parabens! estou me deliciando muito com seus guardados da memoria.

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