sábado, 25 de junho de 2011

Deixa-me, deixa-me fonte, não me leves para o mar...

               Desde cedo saí de casa, do berço da família para estudar fora. Fui uma criança nascida no mato, mato mesmo, na frente da minha casa era uma floresta. Quando nasci, em 1943, grande parte das terras da serra de São Pedro era coberta de mata virgem, uma floresta seca serrana. Aroeiras, pau d'arcos, angicos, enormes jatobás, cana fístula, barrigudas, imburanas e muitas outras espécies. Se eu andasse uns cem metros em linha reta saindo da porta principal da casa onde eu morava, entrava na mata. Às vezes, quando minha mãe zangada me ameaçava de uma surra, eu dizia: "vou-me embora, não volto mais" e mergulhava na mata com uma baladeira na mão. De calças curtas, me lembro bem como se fosse hoje, pegava uma vereda dentro do mato, tomava o rumo da casa de um morador do meu pai e ia para a cozinha fazer pipoca com um garoto da minha idade, meu amigo. Ali ficava e esquecia até do castigo prometido pela minha mãe. Depois voltava desconfiado, se chegando aos poucos, ela nem mais se lembrava da surra.
               Distante da minha terra, do meu berço, do aconchego familiar, na luta pela vida, em busca do "ser gente" como dizia minha mãe, eu sofria, morria de saudades, chorava - às vezes, durante o dia, batia uma saudade no meu coração, eu não podia chorar na frente das pessoas aí deixava para chorar à noite, já deitado na rede, sozinho no meu quarto, na casa da minha tia. As lágrimas quentes sobre minha face eram minhas companheiras nas noites de saudades.
              Esta poesia, Deixa-me fonte de Vicente de Carvalho, que eu lia na Nova Seleta era meu consolo. Deixei minha terra no interior do Ceará e fui para junto do mar em Fortaleza. Deixa-me, deixa-me fonte, não me leves para o mar...


DEIXA-ME FONTE
                   Vicente de Carvalho

“Deixa-me fonte”, dizia
A flor, tonta de terror.
E a fonte, sonora e fria,
Cantava, levando a flor.

“Deixa-me, deixa-me fonte!”
Dizia a flor a chorar:
“Eu fui nascida no monte.
Não me leves para o mar”.

E a fonte rápida e fria,
Com um sorriso zombador,
Por sobre a areia corria,        
Corria levando a flor.

“Adeus sombra das ramadas
Cantigas do rouxinol!
Ai, festas das madrugadas
Doçuras do por do sol!”

“Carícia das brisas leves
Que abrem rasgões de luar
Fonte, fonte, não me leves
Não me leves para o mar!”

Chorava a flor e gemia,
Branca, branca de temor;
E a fonte sonora e fria,
Rolava, levando a flor.

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